Entretanto, tenho a honra de vos presentear com um excerto daquela que vai ser a nova publicação de Eulália, As Mulheres Da Minha Rua, e onde a autora se auto-retrata como “Lala, a velha”.
“A velha tinha um jardim
onde cultivava flores
serenidade e sabedoria.
E uma tranquila alegria
andava com ela
de noite e de dia…
Ela costumava dizer: “o meu segredo é que gosto de mim. E, por isso, gosto das coisas e das pessoas”. Gostava do mundo como ele era. E não tinha projectos de o mudar, nem sabia das reformas nem da inadaptação. Amar era a condição, a lei, o destino.
A mesa do Café trazia-lhe à lembrança Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa.
Lia muito. Mao, líder chinês, dizia: “Quantos mais livros lê mais estúpido ficas”. Talvez sim, talvez não.
Esqueceu-se de viver? Viver intensamente?... Na janela aberta da casa da memória, «mil milhões de vida pululando estão». E os livros deram-lhe dimensão, lucidez, distância e diferença…
Rica. Era rica de tudo o que não vale e não tem mercado. Sabia as coisas, as verdades, as mentiras, as nuances e as metamorfoses – porque nada é estático e tudo se processa e se modifica na intimidade dos corações.
A velha, “la reine de rien du tout!”, olhava a vida com solenidade e alumbramento:
Sou filha do alumbramento
E do espanto
Por isso canto…”
Tudo o que por si passava ela contava e guardava na arca das lembranças. As lembranças?... Por onde começar?
Da sua infância em Montezelo, casa de seus avós, tinha o tesouro escondido e jóia de maior preço. Queria voltar àqueles «altos lugares» que foram os caminhos abertos entre pedras buliçosas e águas correntes, casa de lavoura, casas de pátios largos e portas sempre abertas. Voltar de novo. E ir de olhos cegos visitar o cemitério onde dormem os mineiros das minas São Pedro da Cova que morreram tuberculosos e de silicose. Ir ao lugar do Santo e ver a Rosa Cadeireira, recoveira da sardinha e do Jornal que a tia Júlia lia na eira, no fim da tarde, cheirava a húmus e a maresia.
Oh, minha infância, meu berço, minha companhia, minha solidão…! (…)
Sabe de fonte segura que entre Deus e ela há um pacto, um compromisso tão forte e tão frágil que mesmo quando ela o trai e o esquece Ele permanece presente e vivo; e sempre o milagre acontece e a promessa é certa; porque é eterno o seu amor!”. (…)