MULHERES ESCRITORAS

Escritoras de língua portuguesa no tempo da Ditadura Militar e do Estado Novo em Portugal, África, Ásia e países de emigração

 

 

 

Entretanto, tenho a honra de vos presentear com um excerto daquela que vai ser a nova publicação de Eulália, As Mulheres Da Minha Rua, e onde a autora se auto-retrata como “Lala, a velha”.

 

“A velha tinha um jardim

onde cultivava flores

serenidade e sabedoria.

E uma tranquila alegria

andava com ela

de noite e de dia…

 

Ela costumava dizer: “o meu segredo é que gosto de mim. E, por isso, gosto das coisas e das pessoas”. Gostava do mundo como ele era. E não tinha projectos de o mudar, nem sabia das reformas nem da inadaptação. Amar era a condição, a lei, o destino.

A mesa do Café trazia-lhe à lembrança Mário de Sá Carneiro e Fernando Pessoa.

Lia muito. Mao, líder chinês, dizia: “Quantos mais livros lê mais estúpido ficas”. Talvez sim, talvez não.

Esqueceu-se de viver? Viver intensamente?... Na janela aberta da casa da memória, «mil milhões de vida pululando estão». E os livros deram-lhe dimensão, lucidez, distância e diferença…

Rica. Era rica de tudo o que não vale e não tem mercado. Sabia as coisas, as verdades, as mentiras, as nuances e as metamorfoses – porque nada é estático e tudo se processa e se modifica na intimidade dos corações.

A velha, “la reine de rien du tout!”, olhava a vida com solenidade e alumbramento:

Sou filha do alumbramento

E do espanto

Por isso canto…”

Tudo o que por si passava ela contava e guardava na arca das lembranças. As lembranças?... Por onde começar?

Da sua infância em Montezelo, casa de seus avós, tinha o tesouro escondido e jóia de maior preço. Queria voltar àqueles «altos lugares» que foram os caminhos abertos entre pedras buliçosas e águas correntes, casa de lavoura, casas de pátios largos e portas sempre abertas. Voltar de novo. E ir de olhos cegos visitar o cemitério onde dormem os mineiros das minas São Pedro da Cova que morreram tuberculosos e de silicose. Ir ao lugar do Santo e ver a Rosa Cadeireira, recoveira da sardinha e do Jornal que a tia Júlia lia na eira, no fim da tarde, cheirava a húmus e a maresia.

Oh, minha infância, meu berço, minha companhia, minha solidão…! (…)

Sabe de fonte segura que entre Deus e ela há um pacto, um compromisso tão forte e tão frágil que mesmo quando ela o trai e o esquece Ele permanece presente e vivo; e sempre o milagre acontece e a promessa é certa; porque é eterno o seu amor!”. (…)


Investigadora Responsável: Teresa de Sousa Almeida (https://orcid.org/0000-0001-6758-1565)

O projeto Escritoras de língua portuguesa no tempo da Ditadura Militar e do Estado Novo em Portugal, África, Ásia e países de emigração visa integrar no património literário a escrita realizada por mulheres, promovendo o conhecimento, a desocultação e a difusão de escritoras que publicaram entre 1926 e 1974, assim como das suas obras, uma vez que, mesmo no que diz respeito ao século XX, o cânone da literatura portuguesa é essencialmente masculino.

Como citar: Almeida, Teresa de Sousa (Coord.). [2019]. Projeto "Escritoras de língua portuguesa no tempo da Ditadura Militar e do Estado Novo em Portugal, África, Ásia e países de emigração".

Mulheres escritoras is licensed under CC BY-NC-SA 4.0

 


 

O IELT é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito dos projetos UIDB/00657/2020 com o identificador DOI https://doi.org/10.54499/UIDB/00657/2020 e UIDP/00657/2020 com o identificador DOI https://doi.org/10.54499/UIDP/00657/2020.